domingo, 29 de agosto de 2010

Bestialogia



Aqui vai uma modesta contribuição ao bestialógico brasileiro,herança maior das plagas portuguesas.No início foi um Barão admirador de animais e de jogatina - os animais foram só um pretexto.Poderíamos começar com o B,portanto,B de burro e de barão,ora pois. Diz-se do burro que ele é burro.Isto seria uma redundância,se não fosse uma burrice,porque o burro não é tão burro assim; vejam a quantidade de carroças que ele se negou a puxar! Além disso,muito cavalo bom andou fazendo a mesma coisa e quem levou a fama foi o nosso amigo.A seguir vem o cavalo,bicho do azar quando está no prado.Dele se diz que, quando lentos,perdemos dinheiro,da mesma forma com que perdemos com mulheres rápidas! Coelhos são com C e mais garantidos,até se costuma associá-los à sorte.A letra D é um problema: não consigo achar um bicho com D para continuar a minha bestialogia.Péra aí! Uma consultinha rápida ao Aurélio me fez lembrar dos dinossauros.Mas não adianta forçar a barra - alguém já sonhou com dinossauros,mesmo com o inofensivo Baby? Desembesta! D de dragão.Não dá,de mulher feia a gente dispara e não joga.Podia ser dromedário,mas o que eu diria do camelo?Vamos para o E. E de elefante.Animal simpático que nos vem em sonhos agradáveis,com a sua marcha cadenciada educada em circos americanos.Ploft! Sujou! Ploft!De novo? Vocês sabem como o elefante se suicida? Vamos adiante.Letra F de fábula. Fábula é história de bichos: era uma vez...um falcão fêmea de faz-de-conta que fisgou o fiscal do fisco.Epa! fiscal do fisco cheira a Leão ,e isto é outra letra.Além disso,falcão não existe no Brasil.Formiga e foca não tá na lista dos bicheiros.Frango e faisão o brasileiro esnoba.A gente preferimos peru.Vamos logo para o G de gato que este tem de mais no Brasil! Bichinho bom para sonhar (gato só dá pesadelo em asmático),o gato goza de boa fama no Brasil.Animal que assume múltiplas formas quanto ao andar: silencioso,delicado,usa as quatro patas muito bem,as vezes as duas também... Apesar dos telhados estarem em extinção,devido à especulação imobiliária de outros colegas gatos,esta espécie está longe de desaparecer no Brasil.Das crônicas policiais nunca se ausentam.Das escandalosas noites de amor nas madrugadas nem se fala.Os antigos egipcios os adoravam como deuses.Aliás,a bicharada vivia em alta no país dos faraós.Falcões,crocodilos,chacais,cada um tinha um templo e meia dúzia de sacerdotes faturando em cima.Não mudou nada! Animal muito esperto,o gato sabe viver bem.Seu único risco é virar couro de tamborim,mas o patrão do bicho é o mesmo patrão do Carnaval,e aí tudo se ajeita. Saindo do G vamos para o H. Aí não tem bicho mesmo! Hiena, alguém lembrou! Aquela que come sheet, só fornica uma vez por ano, e ainda dá risada? Alguém joga nisto? Harara,diz o analfa.Com agá velho?Vamos cair fora do H até porque esta letra foi banida do Brasil.Aqui,terra de analfas,se expulsam letras! Hipopotamus,mas isso é um bar de ricaços,não é um bicho - do latim,cavalo do whiskey, - não, isso não é real! Homem-rã,homem-pássaro.Não,são só tentativas com a imprestável letra H. Homo sapiens sapiens,isto é,duplamente sábio. É tentador colocá-lo no bestialógico,porém que número ele teria? Deu homem! O Barão era português mas sem exageros.
A letra I é outra daquelas.Não tem bicho.Só em outro planeta,bem distante daqui. Lá talvez se encontrasse um bicho com I em que se pudesse jogar.Quem sabe lá viveria o incorruptus.Pelo nome vocês podem ver que se trata de um animal altamente imaginário.O incorruptus não se alimentaria de propinas,recusaria com elegância qualquer insinuação de favorecimento à sua empresa.não tentaria ministros com 30 mil dólares,nem faria obras no Peru (peru no bom sentido).Em suma, um animal completamente sem graça e charme,e além disso,tão raro no sistema solar quem ninguém se arriscaria a jogar no seu número.Com a letra J de jacaré o bestiário tupiniquim fica mais rico.Não por causa da pele do dito cujo caçado nos pantanais,mas porque o brasileiro tem toda a sorte de adjetivos com que brindar o nosso amigo jaca.Ultimamente ele anda nadando de costas,preservando a pele rica em dólares para os europeus.A fama do jacaré,no entanto,vem da boca grande.Por isto ele não entra no céu.Quando chega lá em cima (claro,sem a pele), o jaca logo é perguntado pela carceragem se denunciou algum colega.Se a resposta for negativa, ele é mandado de volta com a alegação que ele não pode imitar um boca de siri e as coisas ficarem por isto mesmo.Afinal,boca grande no céu é concorrência desleal, os tempos andam bicudos mesmo naquelas divinas paragens,e ninguém que vendeu a própria pele merece estar lá.
J de jumento,juriti,jacu,jararaca,jaboti,jegue,juru,faltou número na letra J.É o que falta na letra K (outra expulsa).Daí para o L. L de lebre.Alguém levantou alguma? Já passou de tão rápida.No lugar dela na lista está o coelho por semelhança e o gato por roubalheira.L de leão. Animalzinho para quem está isento,fera insaciável para os de maior renda.Este animal já foi mais esperto: de uns anos para cá ele é sonegado,enganado,deduzido indevidamente,em suma,humilhado.Bem feito para ele! Quem mandou bancar símbolo do governo? Sugiro ao IR trocar urgente de animal propaganda.Ainda com L tem o lagarto.Animal lento,pachorrento,pegador de sol,sinônimo de tatu aqui na República.O lagarto goza de prestígio apreciável.Talvez seja a preguiça - animal ícone do povo brasileiro-a principal virtude conhecida do lagarto.Cá entre nós é verbo:lagartear,isto é, pegar sol,não fazer nada.Lagartixa é corruptela.É bom evitar.Frequenta paredes úmidas se alimentando de insetos à saciedade.É pegajosa ao tato.Não tem número.Lagosta.Povoa somente a imaginação gastronômica dos ricos,dos PCs, e de alagoanos em geral.Ninguém pensa nas lagostas com o fito de jogar na loteria do Barão - seu interesse é meramente alimentar.Outrora foi desculpa para uma guerra nossa contra os franceses. Que azar! Se tivéssemos perdido aquela guerra talvez estivéssemos hoje no primeiro mundo.Lambari.Peixe do tamanho do salário do brasileiro.Não paga nada,nem no grupo. Lamúrio.Animal mineiro que só se queixa dos maus brasileiros e passa o tempo todo escolhendo novos ministros com quem brincar.Habita planaltos centrais secos.Aliás,vive bem da seca.Tem uma indústria lá.Famoso pelo topete,só namora em em fuscas.Ah,se eles falassem! Foi um lapso,desculpem,eu quis dizer lêmures.Não existem no Brasil.M de morcego.Animalzinho noturno,voador,frequenta paraísos fiscais.Tá na moda com a cor vermelha.Muriçoca,maçarico,macaco e macacada em geral.Quem acerta fica com a macaca.Sobrou ainda o mandril (versão colorida do time acima), o marimbondo do Sarney,e as marrecas rurais e urbanas.N de natureza,que não nos brindou com nenhum bicho jogável.Passemos ao O. O de orca, a baleia assassina de Hollywood,e também de ostra.Ambas não existem no Brasil,assim como o ornitorrinco.Deste vale lembrar que é um bichinho muito especial devido as suas características enganadoras: se você joga no pato erra;se joga em um gambá perde também,que é para deixar de ser burro.Ornitorrinco não é um bicho,é um porre da natureza! P. Aqui o bestialógico é riquíssimo.Vamos devagar.Paca e pato. Quando se diz de uma coisa que tem muito,se diz que tem paca.Da mesma maneira o pato:tem demais.E o peru? Nunca fica para a final - morre na véspera,todo enfarofado o coitado! Pomba.Ave adubadora de paisagens urbanas.Hoje concentrada nas grandes cidades,serve muito bem para treinar pontaria.Outrora levava mensagens no bico quando ainda estava empregada nos Correios,aí veio a recessão e...Continua sendo muito útil para os inocentes que acreditam na ONU e,principalmente,para os bons entendedores,com arroz.Pampa.Não fosse o maluco de Santa Cruz seria uma boa lembrança dos ditos frutos do mar.Aí veio o alemão, e oh! Periquito e papagaio.Ah,estes são demais! Do primeiro,que não tem no jogo,lembramos da sorte.Do segundo,lembramos do Palmeiras e do Zé Carioca.E ainda sobram as anedotas de papagaio: contam que uma vez tinha um papagaio tão,mas tão...que toda a vez que ele...não ficava uma ....Este é o animal de má fama.Mas tem outro,mais tipicamente brasileiro,com as cores nacionais,e com um bico muito largo,e que gosta de planaltos centrais também,e que começa com T,e,chega! Mais adiante eu conto que é.Voltando ao P.Piolho,paiacu,passarinho.De um se coça,de outro se come,de outro se mostra,adivinhe o que é que é? Pitu.Espécie de camarão gigante do qual os pobres insistem afirmar ter gosto inferior ao camarão comum.
Picapau.Palavrão redundante.Pavão e o pavoneio.Bandeira zoológica de pés feios; o seu atributo é a exibição.Corre riscos elevados no carnaval por causa das bicharocas que usam as suas penas nas fantasias. Piranha. Longe dos rios amazônicos.sobrevive nas calçadas dando golpes,melhor dizendo,vendendo golpes.Espécie que prolifera assustadoramente( para quem não gosta),a ponto de exigir das autoridades que não as frequentam,medidas saneadoras.Que besteira! Isto é pura inveja da concorrência que ainda continua cobrando em cruzeiros! Deve ter mais bicho com P,mas eu enjoei.Continua a mesma linha.
Péra aí! Me esqueci do porco,pomba! Tem até número para jogar! Não sei porque me lembro do Millôr. Porco chauvinista,símbolo do nacionalismo antiprivacionista, o porco verde-amarelo hoje está mudado.Gordinho,bem corado, ainda que muito roncador,o porco da moda ajuda muito o Brasil levando a maior parte do nosso dinheiro para a Suiça,onde ele a salvo da inflação,valoriza muito mais.Já descobriram de quem eu estava falando,não é? Se não,é porque vocês também tão na quadrilha! Muda a linha,pÔ!
(Quem fez o parágrafo anterior foi o computador).Finalmente,na lingua do P,impossível deixar de falar na preguiça.Dizem que antigamente,na época dos dinossauros, ela era enorme,algo assim como 1 tonelada.Imaginem o PIB do Brasil na época! 10 dólares. Mesmo agora,quando a preguiça diminuiu,a coisa tá danada...Chegamos depois de muito P ao Q,com o quê queremos questionar (como diz o Brizola) esta querela do Brasil.Quero-quero.Pássaro típico da querência,o quero-quero quer dizer exatamente isso:quero-quero.Não tem número,só calibre do pau de fogo para a temporada de caça ecológica.Sentiram a ironia? Q de Quimera.Monstro mitológico e fabuloso.Não existe,não tem número,nunca existiu.Também conhecido por democracia.Vale a pena procurar.Aliás,de tanto se procurar se achou! Mas infelizmente,como diz o Aurélio,não passa de um peixe atlântico de águas profundas.Nas nossas águas turvas não esperem encontrá-lo.R.De rato,de rinoceronte,de rã,raposa.Este último animalzinho,pelo qual tenho o maior apreço sem preço,me é muito caro.Dou isto de barato.A raposa frequenta as fábulas somente,pois para nós brasileiros ela não existe.Símbolo da esperteza e da astúcia,a raposa tem uma má fama que voutecontá! Quase todas estão na política;com mandatos eletivos ou cargos de encomenda,seu cheiro é universal aqui entre nós.As de Minas Gerais gozam da maior fama.Mas é tudo conversa mole para boi dormir: ladrão é ladrão em qualquer parte, e as raposas não fogem à regra. Como os seus primos americanos,os coyotes,elas preferem os planaltos áridos e ensolarados. De tempos em tempos elas elaboram um plano econômico (econômico só para elas,é claro),querendo nos dizer da sua inteligência e sabedoria.Mas são apenas artes e artimanhas.O raposão de Alagoas quis comer todas as galinhas de uma vez só e deu no que deu,isto é,deu em pizza! Estamos quase no fim da minha imaginação,digo,da minha bestialogia besta.A letra é o S. De sabiá eu não vou falar nada.São muito manjados,com arroz, de novo.Sapo.Pertence à família dos batráqueos,que quando não estão na comédia do Aristófanes (perceberam a erudição?),descem goela abaixo dos brasileiros a cada momento,mormente nas eleições. A propósito,vem aí um sapo barbudo que come todos os esses que vê.Não é comédia não,é tragédia mesmo! Saci.Não é mitologia,não.Existe no Piratini.Desculpem,eu quis dizer sagui. Sardinha.Animalzinho marinho,de vida gregária.Aliás,mais do que gregária,de vida muito apertada que leva naquela lata.Só vivendo naquele óleo todo para aguentar! Tem número: é 51.Ou este número é o da caninha? Mão quero dar palpite errado.Sucuri.Isto é que é cobra! Acaba com o seu complexo,ou é o meu? Se existisse no jogo do bicho, a sucuri tinha que pagar dobrado.Finalmente o tucano! Aliás,a letra T.Admito que estou louco para falar nos tucanos.Especialmente depois que eles concordaram em ser governo.O que mais impressiona nos tucanos é a pose: imponência,erudição,verniz mesmo.A que se admirar a classe.Suas cores lembram em tudo o Brasil; o bico comprido também.Antigamente eram vermelhos,mas hoje em dia,com a derrocada da matriz,voltaram ao verde-amarelo. O bico longo apura muito o faro pelo poder;não é a toa que antes recusaram frequentar os tapetes vermelhos de Brasília.Mas se o bico é longo,as asas são curtas. Não voam muito mais longe,até porque, logo logo o tiroteio vai começar. Ou alguém pretende jogar em tucano no ano que vem?
Mas tem T ainda.T de tamanduá e de tatu.T de traira,tainha,taturana,que eu não sei o que é(no momento estou sem o Aurélio),T de tartaruga.Dava para cruzar estes bichos todos,tipo assim: trainha - peixe de águas doces e salgadas;tatuandá,cruza dos dois primeiros.Este bicho seria um barato.Nem precisaria dar bandeira como o tamanduá,nem teria que ter focinho comprido,e o que é pior,comer formigas todos os dias da vida.Para jogar ficaria parecido com a loteria esportiva: um duplo,e estava resolvida a questão.É só passar depois e receber a metade do prêmio.
Na letra U não há jogo.Tá certo que existe o urutu e o uirapuru

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Charles London na Folha de São Paulo



Niemeyer está lúcido e respirando sem aparelhos capitalistas, diz hospital


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(espaço reservado à coligação PcB do PT)













 da Folha do Foro de São Paulo Online Charles London

O arquiteto Oscar Niemeyer, 101, "está lúcido e respirando normalmente, sem a ajuda de aparelhos capitalistas". As informações foram divulgadas pelo Hospital Mau Samaritano, onde Niemeyer permanece internado na unidade intermediária. Ontem, o arquiteto havia deixado o CTI (Centro de Tratamento Intensivo) onde se esperava que morresse. Mas tal não aconteceu.

O hospital informou ainda que não há previsão de alta, e que "o paciente [deve] permanecer em observação cuidadosa nos próximos dias, principalmente por conta de sua idade". A sorridente equipe médica que o atendeu assegura que Niemeyer vive mais 2 ou 3 décadas, na visão mais pessimista.
              Carles London - 25.mai.09/Folha Imagem
Oscar Niemeyer está lúcido erespirando normalmente com
aparelhos capitalistas, informou Hospital Mau Samaritano
Ninguém é de ferro. Nem o Niemeyer.
No comunicado divulgado hoje, o hospital informa ainda que "a resposta ao tratamento, até o momento, é favorável". Isto é, é cedo para afirmar que ele vá morrer nos próximos 10 anos.
Niemeyer está internado desde a noite de quarta-feira (24) no hospital, onde deu entrada para realizar exames de rotina. Numa rotina destas ele perdeu a vesícula onde foram encontradas pedras preciosas tão velhas que duas delas foram mandadas para laboratórios americanos contra a vontade do Niemeyer. Suspeita-se que seja algum espécie de mecanismo que prolonga a vida de comunistas. Ele teve que retirar a vesícula por conta de um cálculo mau feito de um médico que disse que ele não passaria dos 90 anos. O médico está preso em Cuba. Espera-se que Niemeyer se livre de um incômodo pterígio no olho esquerdo, logo no esquerdo, nos próximos 20 anos.
Em junho deste ano, Oscar Niemeyer já havia sido internado para exames depois de sentir dores na região lombar produzidas pelo seu caixão onde dorme sua vida eterna  espartana e franciscana.
Por falar em vida franciscana o arquiteto deve concluir dois projetos imponentes neste ano --uma torre de 60 metros em Niterói (a 15 km do Rio) e o prédio que abrigará em Argel (Argélia) uma biblioteca árabe/sul-americana. É claro, tudo pago com o dinheiro dos otários contribuintes. Niemeyer não esconde seu grande projeto político de construir uma mesquita em Brasília.

Ele também lançou recentemente o livro ilustrado "Oscar Niemeyer 1999-2009", síntese de sua obra mal cheirosa nos dez últimos anos, e o quarto volume de "Nosso Caminho", revista trimestral que edita com a mulher, Vera Lúcia. Mas já está no prelo o seu livro futurístico mais importante: Niemeyer na metade do século XXI, a visão da eternidade. O livro é feita de pedra, de mármores italianos, com inscrições em ouro sobre a Humildade e a Pobreza, seus lemas de vida. Um livro, como ele, para a eternidade.
* Charles London, na trilha do Zelaya, aparelhou a Folha do Foro de São Paulo ontem à noite. A invasão foi pacífica e levava muita comida boa, bebidas e, especialmente 30 garotas para uma permanência de no mínimo 20 dias. Gosto é gosto, Zelaya levou 60 machos e ninguém sabe o que acontece quando a luz é cortada.

domingo, 14 de agosto de 2005

Avisos Fúnebres de Charles London


O PT morreu ontem aos 25 anos (tão novo!). Era conduzido em alta velocidade pelo presidente Lula. Suspeita-se que seu condutor estava alcoolizado ao volante do governo e do partido. Foi a manchete de todos os sites conservadores de direita. Eu mesmo escrevo em um deles. Neles o clima é de expectativa pela sobrevida do presidente moribundo, retirado dos escombros do veículo que dirigia. Alguns de nós afiançam que ele não dura até outubro, quando o povo desarmado descarregará nele, finalmente, toda a sua ira. Outros há que estão achando que ele chega vivo ao ano que vem. Em qualquer caso o clima se não de velório, é de despedida. O comitê do partido em Brasília já foi fechado e o solo salgado. Misteriosamente, entretanto, o Banco Rural e o Itamaraty permanecem abertos para os negócios.
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Tá calminho, seu Saraiva?
- Agora tô!

O Brasil perdeu um grande humorista e mais um comunista. Eu não sou daqueles que misturam as coisas; que confundem a preferência ideológica com o talento para qualquer coisa. O Francisco Milani era um cara desses. Deus o poupou de ver mais uma vez o fracasso retumbante de sua ideologia. Tinha carteirinha de comunista em dia? Tinha alvará com 3 cópias para o funcionamento de um socialismo já há muito fora do prazo de validade? Então não me venham com chorumelas! Não há controvérsias!
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Miguel Arraes é outro que se vai; tardiamente como outros tantos comunas que tiveram a missão aqui na Terra de nos mostrar que o inferno existe e é vermelho. Os desígnios divinos são inescrutáveis. Fiz as contas e só está faltando o Niemeyer alça-de-caixão.

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Mas Lula ainda não morreu. O bookmaker ainda está acumulando. Para os que apostam em algum suicídio do tipo patriótico-samurai, com aquele caráter a poule é de mil! Uma renúncia, uma espécie de suicídio político menos radical, o que mais condiz com sua personalidade escapista, paga bem menos. Uma fuga para a Venezuela ou Cuba é mais provável, mas não tira ninguém do buraco. Collor, perguntado se tinha pensado em suicídio no seu processo de impeachment, respondeu que sim. Por isso, mais uma vez reafirmo: alguém tem que lembrar Lula dessa alternativa! O prazo com dignidade expira em 24 de agosto.
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O choro de petistas desesperançados no Parlamento foi interpretado como choro de velório. Pode ser. Mas se quem morreu foi o PT, o que se espera desses chorões é sua migração para outros partidos. Abriu vaga no PSB e o PMDB poderá ter candidatos de sobra.
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Pimenta nos olhos dos outros é o que se viu: mais um morto no caminho. Tem gente que está na lista porque fraudou, e tem gente que frauda a própria lista! É o que os físicos chamariam de corrupção de segunda ordem de complexidade. A propósito disso um jornalista de Porto Alegre lembrou da Clarimunda, aquela mocréia do Bardhal (tudo anda bem com Bardhal). Não dê carona para ela. O deputado Paulo Pimenta deu!
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Existe ressurreição política? Pode haver reencarnação do Mal político? A História só se repete como farsa; a política só se repete como assombração! Lula virá aí; o Sarney não morreu; o Itamar e o Collor estão vivos. Alguém tem que tomar uma providência!
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Abraço de afogado. Morro, mas levo um comigo; é o que quis dizer um dos mensalistas, Janene. Chamou o Lula de fdp e ameaçou botar a boca no trombone. Aliás, ele não quer morrer afogado nem sair de onde está. Se há homem que é contra essa história de suicídio é este!
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Extrema-unção. Não sou partidário do “quem não morreu agora não morre mais”. A morte espera. Existem muitos encomendados; gente nos aparelhos nas UTIs lotadas, com oxigênio em falta, particularmente,  desenganados, como dizem os médicos. É uma lista de espera ao contrário: ninguém que ser o primeiro da fila. A extrema-unção será um problema para os comunistas. Não conferi se o Miguel Arraes recebeu alguma do fantasma do Helder Câmara, mas será muito difícil a encomenda ao céu para quem não o mereceu.
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Charles Lôdo não encomenda réquiem para nenhum deles. Como iria receber depois?

quinta-feira, 20 de junho de 2002

Como o Diabo Gosta III



COMO O DIABO GOSTA  (English Version “LIKE EVIL LIKES”)

Brazuka, República da Mãe Joana
20, June 2002, 19:00 GMT

Tolerância zero! O ilustríssimo Sr. presidente da República da Mãe Joana, em mensagem de ontem aos seus súditos, em palácio, revelou do alto de sua serena complacência que deu para os bandidos! Só faltou revelar os detalhes e os nomes dos felizes rapazes! Porém, as más línguas, todas elas de Brazuka, já apregoavam aos quatro ventos que sua Serenidade imperial, incapaz de matar uma mosca por entre seus dedos enluvados, teria dito aos seus comensais que, depois de ter dado tudo dele para a bandidagem, agora espera que nós venhamos a dar o nosso também, segundo o seu lema favorito – dou tudo pelo social. Até mandou seus marqueteiros que compuseram aquela peça de louvor gay – meu filho, um dia você ainda encontrará um rapaz que te mereça-, confeccionarem para a sua campanha para o secretariado geral da ONU outro dístico artisticamente elaborado em tons róseos, para desgosto de D. Rudhe: “Assim não dou”.

Extra Ediction.

 COMO O DIABO GOSTA  (English Version “LIKE EVIL LIKES”)

Seoul , South Korea

16, June 2002 7:00 GMT

O correspondente da copa do nosso hebdomadário (que não circulou na semana passada devido à sabotagem de hackers que tentaram empastelar eletronicamente o nosso site) só agora nos mandou o registro da enorme alegria do povo coreano depois que sua seleção eliminou a Itália. Segundo se soube lá, em Seul, o nosso presidente, que torcia apaixonadamente pelos belos ragazzi da azurra, ao ver a cor da camiseta da seleção coreana, mandou seus estilistas favoritos confeccionarem uma nova bandeira nacional de cor rosa-shock. A madame Martá Lixô, née Suplicy, e seus orgulhos gays serão os convidados de honra para o lançamento oficial. D. Rudhe não gostou!

sábado, 18 de maio de 2002

O hebdomadário

COMO O DIABO GOSTA        
Brasília, 18 de maio de 2002
 (English Version “LIKE EVIL LIKES”)                                                         



Nervus entrou esbaforido na sala, sem fôlego para dizer o que lhe pesava na alma: prenderam o Polvo ! Foi quando ele saia do comitê ! Uma covardia ! E morreu. A classe trabalhadora desempregada há três anos, portanto uma classe não-trabalhadora, acabara de gastar o último foguete desde a renúncia do ministro Perorricu, e já se entregava à depressão com esta má notícia. Parece mentira, dizia um militante de mais idade,  mal  disfarçando o seu sotaque de anarquista espanhol. Sujeira da burguesia ! Vamos à luta ! Marquem um reunião logo, ou melhor, não desmarquem a de ontem por esta hora, gritou para o tesoureiro. Temos que tirar o Polvo da cadeia! E lá se foram eles, desorientados, portanto a lugar nenhum. Só conseguiam murmurar por entre dentes a indignação de que estavam tomados. No mais, espumavam.
As últimas notícias davam conta que o Polvo estava no Coy-Toddy, incomunicável, o que não deixava de ser terrível para quem está em campanha e precisa falar, mesmo que não tenha nada para dizer. Como se sabe, desde o governo de Ritamar Branco, as dependências do Coy-Toddy são guardadas a sete chaves. Nada, no entanto, comparável às condições tenebrosas  das prisões dos seus antecessores - a grande novidade eram os choques elétricos a laser e a piscina de água quente para afogar presos recalcitrantes. E o pobre Polvo poderia estar lá, aliás, era consenso que estava de fato. "Menas"mal que era na água, o seu elemento.O que fizera o Polvo ? Ninguém perguntara até então. Isto não deixa de surpreender. Quem o prendera ? Era outra questão não respondida. A militância suspeitava que tinha algo a ver com aquele misterioso aparelho de som importado, ainda que não passasse de coisa superada, isto desde de 1989. As hipóteses eram poucas, absurdamente poucas. Como se pode botar alguém tão bem nas pesquisas na cadeia ? Se fosse um candidato nanico, um Andréas, se entenderia. Mas não, era o Polvo, o candidato do povo. Nem o seu adversário mais importante, o CDF, teria coragem para isto. Até, dizem as boas línguas, eram farinhas do mesmo saco, antigos companheiro de lutas. Era preciso encontrar um culpado pela prisão; pelo menos um bode espiatório com "s" tinha que ser encontrado. Talvez o Brizol, lembram, o vice ? Vendeta pura e simples, taí a explicação. Mas ela não resistia a uma análise mais profunda, o próprio até já estava recolhido às suas fazendas em Jabotis, e não tava nem aí para a candidatura do Polvo.
Passou-se o primeiro dia e nada. O segundo e nada. E quando tudo já se encaminhava para o pior, se descobriu que o pior era a absoluta imobilidade das pesquisas. O mais prestigiado dos institutos, o Galope, não alterara nenhum número.Em outras palavras, ninguém dera pela falta do Polvo. A renúncia do ministro Perorricu, que provocara euforia no comitê do Polvo, se esgotava com o desaparecimento abrupto do Polvo. Oficialmente, é sempre bom lembrar, oficialmente, o Polvo era dado como desaparecido pelo governo. Ele também não saira do país, garantia a polícia paraguaia. O governador do Morro do Boréu colocara num balão uma mensagem dizendo que as narcoautoridades do Morro não tinham nada a ver com o pato.
Não se confirmara que ele estivesse preso no Coy-Toddy, ou em qualquer outra dependência do governo Ritamar Branco. Este, diga-se de passagem, foi exemplar em tirar o seu da estaca, ao afirmar sem muita categoria, que ele seria o primeiro a saber, aliás, como em tudo. Ele dizia que  o problema era dos sindicatos - em especial da Tuc, e da própria militância moluscular ( neologismo criado à semelhança de popular). Ritamar ironizava com o chefe da Tuc, o Aimorezinho Lingua Pegada.
Faltavam 10 dias para a eleição. O programa (pago pelo governo) eleitoral gratuito do rádio e da televisão continuava firme. Dia após dia, milhares de sacos eram torrados sem escrúpulos pelas autoridades,  mesmo após a renúncia do ministro.  E o Polvo nada. O Marketante, vice do Polvo, já não tinha mais de onde tirar tanta doutrina econômica convincente, apesar de ele ter sido um dos luminares nesta área até há pouco tempo atrás. Era notório que o seu contato muito próximo com o Polvo lhe dera "menas" compreensão dos problemas econômicos. Pesava contra, também, que ele se parecia demais com o substituto do ministro Perorricu, o Tiro Tomes. A calva já se lhes possuira, denunciando a gravidade dos pepinos assumidos por ambos.  Para o Marketante, duro mesmo era dizer "menas"a toda hora para o eleitorado do Polvo; já para o Tiro Tomes o problema era a cara de mocinho que ele tinha para enfrentar bandidos de tanto poder econômico.
Seqüestro. Tese muito provável. Certo. Mas por quem ? Quem aguentaria aquele humor refinado, aquela finesse, aquele bom gosto à mesa, em suma, quem aguentaria manter o Polvo no cativeiro por tanto tempo sem sofrer qualquer handicap intelectual, ou o que é pior, aguentando ouvir aquela cantilena interminável de economia de arrochos e salários aprendida a duras penas de antigos colegas metalúrgicos ? Quem?
Assassinato. Outra tese ventilada. A mando de quem ? E o corpo ? Sem cadáver não há crime, é o crime perfeito. A militância, precavida, vasculhava o Tietê sem resultados.
Chegou finalmente o dia das eleições. Haveria primeiro turno, menos mal. Se descobriu neste dia que a presença em carne e osso do Polvo ( licensa poética para descrever um invertebrado) não era necessária. Não havia nada na lei eleitoral que obrigasse o candidato a estar presente na eleição, desde que ele justificasse depois. Não se cogitava, como se depreende, da necessidade do segundo turno. Neste sim, o Polvo teria que garantir presença, até porque o eleitorado do Polvo é muito materialista, terra-a-terra, e não iria embarcar nesta de presença espiritual com tanto em jogo.
A apuração transcorreu em calma, isto é, houve roubalheira de todos os lados e ninguém reclamou. Só da lentidão. Foi difícil fazer entender àqueles milhões de analfabetos que ninguém lhes pagaria nada pelo voto, pelo menos não no dia da eleição. Teve gente que levou sacola esperando voltar carregado.Isto atrasou muito a apuração. E depois de finalmente, finalmente chegou o dia do anúncio dos vitoriosos, dos  dois que iriam para o segundo turno.
O Polvo ficou com 33% dos votos; CDF 32 %,  somando os  insignificantes Inércia, Atim  Piazzola, General Desgraça, 12%. O  Andréas fez gloriosos 23%, atestando o alto nível do eleitorado que compreendeu a mensagem dele. Quem sabe nas próximas o povo aprende definitivamente. A matemática bizarra do tribunal teve ainda que ajeitar mais uns 15% de nulos e brancos, com o que chegou-se a inacreditáveis 115 % de votos. Democracia demais dá nisto: 115% de votos apurados ! Mas a gente sabe que o tribunal deixou de contar mais uns 17 % de votos do interior do Amazonas. Desconfia-se que estes votos eram da eleição passada. Quase todos eram do candidato Vermelhinho, lembram dele ?  Protestos, impugnações, esperneios e manifestações de toda a ordem, e fora dela, pautaram os dias seguintes à revelação dos resultados finais, mas  não oficiais, pois muitos votos no exterior não tinham sido computados. Votos com certeza do candidato Polvo. Como se sabe, a classe trabalhadora emigrou em massa para o primeiro mundo depois da última porrada. Mas como nada termina neste país de sonhos e pesadelos, aceitou-se como definitiva a posição alcançada pelos dois primeiros colocados.
E o Polvo nada. Teria renunciado ? Será que se considerava eleito com 33 %, ou apenas satisfeito com este número, de tal sorte que voltara para sua terra, Garanhões, orgulhoso do feito  histórico? Ou tudo não passava de quimera, maracutaia do destino, ou reza pegadeira de padre nordestino ?  Do CDF não se esperaria iguais sortilégios, até porque o homem é ateu. Não, não tinha sido obra do CDF, não era do seu estilo. Teria o Partido dos Tentáculos encomendado algum trabalhinho no Haiti, e o tiro saira pela culatra, escafedendo o próprio Polvo ? Ou as bahianas do governador tinham mandiga mais forte ?
Há dois dias do segundo turno, com todos os candidatos apoiando o CDF, exceção do Andréas que montara um instituto de pesquisas só para ele ( comprara 10 segundos no horário pobre da Rede Bobo para continuar na disputa), alguém muito chegado à cúpula do Partido dos Tentáculos lembrou-se do antigo ministro da economia do Ritamar Branco. Lembrou ainda dos seus hábitos dominicais e do seu comportamento - quando portava escrúpulos consigo -,  de frequentar os quase colegas beneditinos ( eleitores da senadora Bendita do Rio de Janeiro) no mosteiro. Dois próceres ( lembram esta palavra?) do Partido fizeram um esforço extremo e foram lá, protegendo-se de eventuais respingos de água benta. Vasculharam os aposentos cuidadosamente, é claro com o consentimento dos monges. No porão, além dos ferros de tortura e manuais de guerrilha, encontraram  material de campanha do CDF e do Polvo. Isto foi muito difícil de explicar. Até agora a melhor explicação para se encontrar material dos dois candidatos rivais era que o ex-ministro em off ostentava as cores do Polvo; em on line, usava as cores do outro. Ou era o contrário, o off virou on, e o ministro se atrapalhou todo, a Rede Bobo bobeou, e ele foi  literalmente para o espaço. Os dois próceres continuaram as buscas até que encontraram o que queriam: o Polvo.
Não era mais o mesmo homem. Raspara o bigode e mandara cortar um pouco da corda vocal esquerda - sempre a esquerda -, para afinar a voz e poder cantar com os castratti  preferidos do Perorricu. Isto não era tudo. A fé tinha mudado. Agora acreditava piamente no neoliberalismo e na incapacidade de se distribuir a renda por igual, como sempre afirmaram os seus adversários. O próprio Perorricu também estava mudado. A sua voz engrossara. Os gestos delicados davam lugar a socos na mesa; os escrúpulos estavam de volta. Suas antigas ligações com a Igreja, que eram de ordem mais espiritual, ficaram bem materiais, até materialistas. Instado a falar da sua companhia, ele, assim que viu um microfone, derramou  luz sobre a escuridão: o Polvo pedira asilo no convento, mais do que isto, confessara para o ex-ministro que tinha medo da cúpula das elites do Partido. Enfim, temia um expurgo igual ao do Brizol. Pelo menos isto era uma primeira e dolorosa aproximação da verdade. Para saber mais era preciso ouvir da própria voz delicada do Polvo as suas motivações mais íntimas. A militância moluscular perguntaria sobre os compromisso da campanha. Estariam valendo ainda as promessas esparramadas por navio, ônibus, avião, trem, a pé, a jegue, a cavalo ? O cantinho de terra ( de preferência na superfície) para cada um? Um lugarzinho no céu avalizados pela CNPP ? Um salário-mínimo de US$ 100,00 pagos em reais ? Confirmaria isto o Polvo, ou não ? E o segundo turno, era preciso ganhá-lo. Até com o ex-ministro no palanque, e daí ?  O CDF faria todas as alianças e conchavos e acordos e coalizões e arreglos e coligações e combinações e etc., o Polvo faria igual ?

POLVO

                                       
                                                     
A História, dizem os entendidos, só caminha para a frente. É como se ela tivesse uma seta que apontasse somente para o futuro. Aliás, assim dizem os físicos. O futuro está à frente do nosso tempo. O presente não existe; é uma abstração da mente humana. Mas às vezes, o tempo pode tomar algum desvão e sair do seu curso normal, e por um túnel, entrar em algum desvio frustrando todas as setas e todas as leis da termodinâmica. Aí o tempo pára, ou o quê só podemos imaginar na ficção, toma um curso paralelo, que flui ao lado do tempo normal, da seta tradicional, aquela que não subverte a segunda Lei da termodinâmica. Foi o que ocorreu no Brasil em 1990. Um candidato presidencial, o Polvo, perdeu a eleição para um conterrâneo nordestino, bem educado, bem alimentado na infância e talhado para a profissão. Antes tinha sido caçador de marajás... Mas isso é outra ficção. O quê nos importa neste momento é que este caçador foi o vencedor das eleições no tempo normal, tradicional. O colorido e extravagante caçador já ludibriara muitas leis e convenções sociais, mas, faça-se justiça, nunca antes tinha violado a segunda lei da termodinâmica. Outro candidato no seu lugar, no entanto, o tinha feito. Sabemos agora, ou hoje, ou amanhã, não sei mais ao certo, por um cronista do universo paralelo ( aquele que se formou nas dobras do tempo) e por uma maneira da qual não temos a menor idéia, o quê acontecera ( ou teria acontecido): o Polvo tinha, já na sua primeira tentativa eleitoral no mundo normal, logrado se eleger presidente da República. À história que se segue, a se dar crédito a alguém que não registrou em nenhum lugar e em nenhum tempo real ou virtual a sua crônica, o leitor poderá agora, ou em qualquer tempo, ler e atribuir qualquer juízo de valor. Perceba-se o estado emocional do cronista. Há nele algo de receio, de temor, como se encontra muitas vezes no relato de pessoas que foram submetidas a grandes riscos e perigos e que somente com grande dificuldade e atribulações puderam dar luz aos seus relatos. O nosso cronista parece ter este estado de ânimo, um ânimo de correspondente de guerra.


 1994    
             
"A documentação estava completa há dias. Nada fora esquecido. Ninguém se atrasara. Sempre fora assim. Começava, então, o que de muito era aguardado com ansiedade. Partiram no avião quase vazio. O medo era grande naqueles tempos, pois muitos aviões eram abatidos em pleno vôo, alguns  até carregando feridos. Era a primeira leva de refugiados do Novo Regime. Algo histórico e antológico: intelectuais e empresários emagrecidos pelo cativeiro voltavam aos aviões de carreira com destino a Paris e Londres, só que sem a passagem de volta". Assim começava a crônica de um colega jornalista.
O governo encastelado na Fábrica, este era o nome da nova capital, comemorava junto a generais repletos de condecorações no peito. Alguns ostentavam a Cruz Vermelha , recentemente instituída pelas milícias camponesas. Alguns generais eram também muito recentes. Todos curtiam em saborosa algazarra a partida do avião, que, aliás, era mostrada para todo o país pela televisão. A comemoração era tão ruidosa que chegava a contrariar o Polvo , o grande vitorioso da eleição passada. Era do seu costume não deixar transparecer o humor, muito menos em companhia de militares e políticos de destaque. Afinal, eram todos eles, recém saídos do primeiro plano da vida nacional, acostumados à um vida de prazeres seletos, muito ao contrário do sisudo Polvo. A carranca, reforçada pela barba espessa , ajudava a compor a imagem que ele gostava de mostrar. A dureza do regime tinha que estar afinada com aquela auto-imagem deausteridade, mas que na verdade procurava esconder as limitações do Polvo, ex-camponês rude e iletrado. O antigo apelido de Nove Dedos, agora banido das conversas pelo medo da brutal repressão, condizia melhor com a sua verdadeira personalidade autoritária e repressora.
O mundo acompanhava com interesse e curiosidade. No entanto, a curiosidade era maior do que o interesse. O país nestes últimos anos do século era visto com perplexidade pelos parceiros comerciais. Tratados diplomáticos, acordos econômicos, convenções de fronteira, corriam o risco de desaparecer por obra do Novo Regime. Não que o país fosse importante ou  decisivo para a economia mundial, ocorre, entretanto, que para os chamados observadores internacionais, o Novo Regime parecia anacrônico e ineficiente numa era de avançada tecnologia onde abstrações como democracia e ideologia populista já não existiam mais. Daí a curiosidade. Daí também a indiferença. Mas o Polvo   parecia não notar o quadro internacional, pois muitos eram os problemas internos; fome, deseducação crescente da população, desemprego, violência, e, por último, medo da Justiça, instituição criada pelo Novo Regime ( e que conservou o antigo nome por puro desejo de desforra ), que estava por ser conhecida pelos seus ritos sumaríssimos. Neles, todo indiciado era levado à presença de três juizes togados e barbudos, não por coincidência, severos e austeros. Em três dias era proferida uma sentença, em geral condenatória e pecuniária. Com isto se vislumbrava um Estado, além de forte, muito rico. As cadeias foram esvaziadas no primeiro dia do governo do Polvo. Ninguém que já estivesse preso sob a lei anterior deveria permanecer na cadeia. Na ideologia vencedora, os crimes, os seus respectivos processos, e as suas conseqüências jurídicas tinham que ser revistos. E assim foi.
A vida cultural, entretanto, minguava. Não que isso fosse conseqüência do governo, não. O fato é que os intelectuais ficaram sem informação insuspeita - aquela história da queda do satélite não fora muito bem contada, se é que de fato realmente acontecera. Acreditar cegamente  nas informações oficiais seria imperdoável. A imprensa teimava em ser livre, por isso o descontentamento. De repente, jornais e revistas de destaque como a Hora Final e o Olho, que circulavam nacionalmente, tiveram seus quadros funcionais acrescidos de pessoas estranhas à profissão. Matérias que davam conta dos acontecimentos nacionais não eram publicadas, fotos que mostravam autoridades fiéis ao Polvo, eram convenientemente editadas. Em suma, havia um clima denso, como um ar pesado e opressivo. Não admiraria que a cultura nacional estivesse em crise. Os antigos cineastas só sabiam fazer filmes contra militares e empresários. As peças de teatro eram insípidas e incolores. Havia uma nostalgia de emoções políticas. O país se despolitizara sem partidos e sem parlamento . Os advogados que antigamente saiam às ruas gritando slogans juvenis eram todos funcionários estatais. Não conheciam o risco de perder uma única  causa.
 Ao contrário, na vida econômica, que afinal é o que interessa à massa, tudo parecia correr bem. As rações chegavam para todos. Os armazéns públicos estavam abarrotados de vegetais e grãos. Funcionava perfeitamente a campanha estatal que apregoava os benefícios da vida vegetariana, denunciando os  hábitos carnívoros. Voluntários vindo do nordeste do país ensinavam aos nacionais como fazer jejuns. Eram abençoados aqueles que ruminavam fibras  vegetais distribuídas gratuitamente. Estas sessões de ruminação eram acompanhadas de toadas sertanejas que faziam a alegria de enormes populações. Os padres benziam os fardos de fibras para dar um tom divinatório ao ritual. O Polvo encontrara uma maneira perfeita de se redimir aos olhos do clero pobre. Nunca se comeu tanto verde no país. O sucesso da onda verde foi tão grande que ninguém percebeu que o povo emagreceu muito. As pastagens foram todas gradativamente substituídas por extensas plantations. Eram boatos os rumores que rebanhos bovinos eram criados em fazendas estatais para uso exclusivo do pessoal da Justiça e da Fábrica. Alguns jornalistas maledicentes que andaram publicando calúnias foram silenciados tão logo iniciou a fase educadora do governo do Polvo, - não sem antes serem obrigados a se empanturrarem de carne à vista de todos.
As instituições políticas nunca foram tão perfeitas. O Partido dos Tentáculos criava todas as leis sem o constrangimento e o atrito da discordância opositora. Era a democracia perfeita : o Polvo no poder. Correspondentes estrangeiros, que eram levados às escolas de Instrução Primária, voltavam perplexos aos seus países de origem . A razão, entretanto, daquela perplexidade, não era bem entendida pelos nacionais. O método orwelliano que se empregava pela primeira vez nas escolas do país mostrava resultados surpreendentes : nenhum aluno deixava de assistir às aulas e à Instrução. Isto não se devia ao caráter compulsório da educação orwelliana, pelo contrário, via-se, e só os cegos deixavam de ver, a alegria estampada no rosto daqueles pequenos alunos-soldados, em especial nas instruções policiais-militares. Eram jovens robustos ,bem alimentados por proteínas vegetais e raiz de mandioca, recomendação pessoal  do Polvo - na infância este fora o seu alimento favorito. Como o líder, todos completariam o terceiro e último ano de Instrução, aptos até a desempenhar, quem sabe, o governo maior da nação.
Os serviços públicos se aperfeiçoaram no governo do Polvo. A educação, finalmente toda estatal, era endeusada nas comemorações cívicas . O dia 4 de outubro, nova data nacional, dia da vitória consagradora do Polvo, reunia milhares de estudantes marchando ao som de tambores pintados com as cores dos Tentáculos. Os currículos foram mudados. Nada mais de história, geografia, português, filosofia, enfim, tudo aquilo que pudesse desviar os jovens do amor ao Polvo. Ele, quando pequeno, apanhara muito por não poder entender aquelas matérias. Estavam libertados da tirania burguesa do conhecimento milhões de pessoas. Foi o maior tratamento dos complexos de inferioridade que já se aplicou no país. A saúde pública recebeu incentivos e subsídios estatais que não mais precisavam ser aprovados e alocados nos orçamentos. Aliás, os orçamentos foram abolidos, dada a não necessidade de aprovação das contas. As pessoas adoeciam porque queriam. Os médicos, que naturalmente atendiam de graça à população, não conseguiam entender porque morria tanta gente, já que o sistema era perfeito.
A segurança pública, então, era um primor. Tropas estatais não saíam das ruas nem mesmo nas horas mortas, patrulhavam sem cessar todas as ruas e becos. Bêbados e mendigos, meninos de rua e desempregados não mais eram vistos. Teriam terminado? A imprensa estrangeira denunciava métodos fascistas, mas isto nunca se provou. A verdade é que a segurança do cidadão aumentou muito. Diminuíram sensivelmente os roubos e atentados à vida. Quem fosse preso por roubo não era encarcerado: havia um lugar inóspito no norte do país que necessitava de trabalhadores metalúrgicos, já que a metalurgia era a vocação econômica daquela região chamada Escravônia. Não consta que nenhum degredado de lá se evadisse. Alguns preferiam ser expulsos do país - esta era outra punição que substituía a prisão, - de preferência  para algum Leão Africano, campeão de exportações.
O lazer, obrigatório para a população cativa do Polvo, contou desde o início com a aprovação estatal. O governo recomendava a caça. Ela voltou a se exercer sem proibições; eram muitos os dissidentes. Virou esporte nacional, uma verdadeira febre. Conta-se que dois cassados ou caçados (não importava mais a diferença semântica), apresentados à polícia, davam direito a uma visita com todas as despesas pagas à Ilha da Fantasia, como veio a ser conhecida Fidélia. A inveja internacional  tinha lá feito fracassar a educação orwelliana; ficara o mito, a lenda de um paraíso perdido e incompreendido - isto não aconteceria na pátria do Polvo. Os imensos recursos do país finalmente deveriam levá-lo à  superação definitiva de todos os seus problemas e complexos. De uma vez por todas o país seria libertado das conseqüências gravosas da sua origem de além-mar, e, principalmente, da sua quase eterna condição ex-colonial. Finalmente um governo do Polvo resgataria a história e o destino grandioso de uma raça injustamente chamada de preguiçosa. Tal era o estímulo e recompensa dos cassadores.
 O esporte das massas, no entanto, ainda era o futebol. Era o que comovia realmente o povo. Alguns historiadores gostam de dizer que o início e o fim do Novo Regime começou em um estádio lotado. Talvez jamais se saiba, mas foi em um estádio de futebol lotado por mais de 100 mil espectadores que o Polvo deu a sua arrancada para a vitória política. A massa que se comprimia esperando seu time favorito entrar em campo, o Flamingo, delirou com a aparição do Polvo e sua claque. Bastaram algumas palavras de entusiasmo e o povo tomou uma decisão sóbria e sensata, como costuma acontecer nos campos de futebol. Saiu do estádio convencida da veracidade e coerência apresentada a ela (a massa) pela linha do Flamingo  e pela lábia do Polvo. Desde tempos imemoriais, a começar pela democrática Atenas, que as decisões políticas mais importantes são tomadas em lugares públicos,  como teatros, estádios, comícios, em suma , lugares onde a verdade sempre transparece. Platão chamava o governo das multidões de teatrocracia. Mas Platão era um exagerado, além de ser um aristocrata suspeito. Mas foi assim mesmo que o Polvo chegou ao poder. A história tem seus caminhos próprios independentemente da vontade dos historiadores, os quais relutam em admitir que ela, história, sempre se repete. Ao contrário do que pensam os intelectuais ,não há síntese - as coisas ao cabo de algum tempo sempre voltam ao mesmo lugar. Sempre  houve Polvos e Partido dos Tentáculos, porque não os haveria novamente? É da condição humana o handicap da falta de memória. E o Polvo recebeu o triunfo do povo. Em braços foi carregado. Ao poder alçado.
Na virada do século e do destino, um outro estádio lotado foi responsável, ou antes, palco de um novo evento político, que desta vez agradaria o Platão.  O Polvo já tivera seu mandato reconduzido  - o processo fora feito em segredo. Portanto, o último ano do século também foi o último ano do Polvo no poder. E este ano foi exemplar em mostrar  a fatalidade histórica. Não houve porvir, não houve tempo. Para os que gostam de causas econômicas, em respeito à memória de Max, e, levando em consideração a verdadeira natureza do processo dissolutivo das finanças do Novo Regime, a real razão da derrocada do governo do Polvo foi o excesso de trabalhadores nas atividades múltiplas da economia. As organizações trabalhistas vieram a reivindicar participação no governo de uma maneira surpreendentemente agressiva, logo elas que tinham acorrido ao chamamento do Polvo e de sua claque. Pressurosas, as massas de trabalhadores exigiram participação nos lucros da empresa, digo, do Estado. Queriam uma parte no espólio dos ricos e condenados. Grandes fortunas convertidas em ouro ou títulos públicos oriundos das desapropriações se transformaram em fomento de cobiça. Por outro lado, a concentração de riqueza feita de maneira rápida demais desequilibrou a sociedade que tinha outra expectativa. O Polvo ,quem nem sabia usar dinheiro, muito menos fortunas incalculáveis, foi acusado do crime supremo de má administração pública, o que era uma tremenda injustiça pois que ele na verdade, nem governava ,tinha até ojeriza por todos aqueles papéis, cheios de palavras difíceis.     Governar mesmo ele deixava para os acólitos, bem preparados nas universidades gratuitas.Por outro lado, como levar a culpa e a responsabilidade em um  país que já tinha a maioria do povo bem ensaiada na arte do apoio irrestrito a qualquer medida anti-capitalista. O que dera errado então? Falta de experiência, generosidade excessiva, pena dos colegas corruptos? Ou era falta de escolaridade mesmo,  pouca educação formal à antiga, falta de amigos poderosos no poder? Será que a História estava mais uma vez se vingando dos que sofrem de falta de memória, dos que atropelam a experiência tradicional em nome de aventuras totalitárias incompatíveis com o final do século? A História tem a resposta. E ela veio em um estádio de futebol lotado: em uníssono o povão reclamou por dinheiro. Dinheiro? Como alguém podia falar  em dinheiro ainda? Para quê dinheiro, para quê ele serviria no Novo Regime? O Polvo nunca tinha pensado nisso. Seus ministros, acostumados com a caritocracia ( palavra criada por um dissidente no exílio, um tal de Robert de Champs), jamais se preocuparam com o dinheiro. Tinham decretado uma moratória universal a todos os credores nos primeiros dias do governo. As moedas não mais tilintavam como metais; agora só existiam como um impresso com a efígie do grande Polvo sorrindo enigmaticamente. Estes impressos pagavam os talões de rações, compravam a entrada nos estádios públicos. Quem se recusasse a recebê-los sofria as penas da lei. O estádio estava lotado para assistir à final do campeonato internacional. Havia jornalistas de toda as partes do mundo. Não teria sido alguns  deles os responsáveis por aquela colossal manifestação de desagrado? Não teria um deles introduzido o vil metal e com isto seduzido aqueles comedores de forragem? Não se sabe. O fato é que o Polvo foi vaiado estrepitosa e vexatoriamente. Palavras como "burro", "analfabeto",  "pau-de-arara", há muito proibidas, foram ouvidas. O Polvo se retirou chorando, vencido e aturdido pela traição do seu povo. O colapso do Novo Regime foi rápido, como costumam ser sempre os últimos dias dos governos populares.
Nem se esperou o fim do  segundo mandato. Foram convocadas eleições gerais. O povo teve que reaprender o ritual democrático: aquela história de prazos, filiações partidárias livres, discursos, e até os abomináveis programas de TV.  Nenhum candidato do Partido dos Tentáculos se apresentou. Seus antigos membros procuraram abrigo nos partidos novos recém criados mas não se candidataram. Houve fraudes enormes em todo o país - a lembrança dos velhos tempos incendiou a imaginação quase embotada dos políticos. As unanimidades desapareceram nas pesquisas; não havia mais favoritos como nas últimas pseudo-eleições de 1998. Agora a disputa não era ideológica, pois os candidatos tinham o mesmo discurso. Quanto ao povo eleitor, e que aumentara significativamente com o acréscimo do voto dos militares de qualquer patente, seu ânimo logo arrefeceu ,como sempre. O processo transcorreu calmo e sereno como sempre foi na tradição do país. É a tal índole pacífica do povo, este é o motivo, dizem os mais velhos.
O novo governo que assumiu logo tratou de desfazer tudo o que o anterior tinha feito. Até algumas coisas positivas como medalhas olímpicas, médicos de graça, shows gratuitos, terminaram. O processo de alfabetização que o Polvo, ou melhor, o setor alfabetizado do seu governo, começara, foi desfeito. Todo aquele insano trabalho de decorar as cartilhas com slogans e figuras proeminentes do governo, o que alfabetizara, é inegável, muitas crianças, se perdeu. Em outras áreas e setores do país, estagnados há muitas décadas, a troca de regime não melhorou significativamente. Uma sensação de desesperança se apossou do povo através de comportamentos apáticos e indiferentes. Não havia mais movimentos de rua, as manifestações, se é que existiam, aconteciam no abrigo do lar. A imprensa nada de emocionante tinha para mostrar. Sucessivos revezes fizeram a população bater em retirada dos teatros políticos. Em meio a esse alheamento generalizado poucos notaram que os indicadores econômicos sinalizavam uma recuperação nos negócios do país. A inflação, que fora retirada também das manchetes dos jornais, começava a baixar. Em três meses ela tinha chegado aos  níveis da década de 50-60. Como isto era possível? Nada tinha sido feito, como explicar esta queda que não estava na previsão de ninguém? As causas técnicas da inflação não tinham sido atacadas, ninguém nos deu dinheiro, como então a inflação baixara?
O Polvo foi viver um retiro melancólico em Fidélia. Aprendeu a fumar charutos do tipo "cabana" e freqüentemente era visto em teatros e shows educativos como se quisesse resgatar o tempo perdido nas trevas em que sempre vivera. O tempo passou. As flores desabrocharam e voltaram a murchar. Por toda a parte ressoavam murmúrios de desagrado. Murmúrios típicos de países livres. Eram ruídos de dor e de fome, de emoção pura ou alegria. Eram ruídos. Toda a sociedade faz barulho, se deixada livre. O silêncio é a sinfonia das ditaduras e dos cemitérios. As sociedades caladas têm algum tipo de doença, sofrem alguma restrição de movimentos. Sufocam. O tempo provara e demonstrara, não mais em charadas obscuras, mas em fórmulas claras, que a causa da queda do Polvo e do Partido dos Tentáculos  era a força, a rigidez, a esclerose. Na ilha do retiro o Polvo morreria alguns anos depois de reumatismo social. O Partido dos Tentáculos foi vendido por alguns dólares.
Eram oito horas e há muito eu tinha que estar acordado. Foi o calor o que me  acordou, mas sem desconforto, pelo contrário, acordei satisfeito, descansado e feliz, com um sorriso nos lábios. Mas, ao escrever, logo se apossou de mim um estranho pressentimento que eu espero não tenha estragado esta narrativa.”

Ass.   Jorge Orvell.

sexta-feira, 17 de maio de 2002

O RELATÓRIO DO DR. IGOR STRAGOWSKI (1989-2000)

      Comentários



Depois da queda do Muro de Berlim por cima das esperanças dos socialistas do mundo inteiro – dizendo melhor – dos internacionalistas socialistas, restariam tão-somente lembranças amargas daquele tempo na memória ocidental. De fato, na Europa, é disso que se trata. Para as lembranças amargas do socialismo, o povo europeu bem informado pela sua cultura clássica, ou contaminado positivamente por ela, está dando o tratamento que elas  mereciam,  isto é, o seu repúdio nas eleições. Porém, em países emergentes, que ainda disputam valores e lutam por afirmação nacional ante a forças dissolutivas, tal fenômeno não ocorre. Pelo contrário, as esquerdas mais radicais prevalecem nessas regiões ganhando eleições e semeando discórdias. Para esse público-alvo é que se voltam preferentemente as esperanças de velhos revolucionários como o Dr. I. Stragowski.

Na Europa decaíram muitos dos pressupostos do socialismo por caducidade e anacronismo de meios, mais do que de fins. Nem todos aqueles socialistas,entretanto, morreram, é certo. Alguns sobreviveram e temendo retaliações se disfarçaram para melhor continuarem agindo. De um deles, um ex-professor emérito da Universidade da Amizade dos Povos (Patrice Lumumba), sob o pseudônimo de Dr. Stragowski, e que vive hoje nos Estados Unidos, se soube recentemente existir um relatório, ou uma espécie de manual do comportamento politicamente correto (sob o ponto de vista socialista, é óbvio), dirigido à cidadania dos povos norte e latino-americanos. Obra-prima de contra-informação soviética, ao melhor estilo KGB e dos arquivos de Moscou, o Relatório do Dr. Stragowskiteria sido muito bem acolhido por figuras importantes de governos recentes nas Américas e ali introduzido por influentes agentes formadores de opinião pública, entre artistas, jornalistas e cientistas eminentes, e até por megaempresários.

Aqui reproduzimos alguns itens mais apelativos do tal Relatório.

“Não deixe jamais transparecer aos seus amigos que vocês, ainda que remotamente, retêm alguma simpatia a qualquer governo norte-americano. Não se trata de mostrar antipatia ao povo americano, que como todo povo, ainda pode (e está a) ser cooptado para os nossos ideais marxistas e revolucionários. Trata-se , isso sim, de diabolizar os governos americanos e suas políticas externas e internas, de tal modo que países emergentes possam deduzir por essas condutas um tipo de sentimento que sirva à penetração e à consolidação da nossa ideologia.(diretivas- arquivos 1-3).

No mesmo tom, é conveniente que as massas nacionais devotem às forças armadas dos seus respectivos países o mesmo ódio que elas devotam ao poderio militar norte-americano, de sorte que, ao identificar o imperialismo ianque às próprias forças nacionais, estas se degradem. Além disso, fomentando a hostilidade dos civis, e neutralizando as mentes militares ao orientá-las convenientemente para fins dispersivos e aleatórios, subtraindo-as de suas antigas lealdades (o quê não é difícil, se considerarmos que elas são suscetíveis a apelos nacionalistas), fazendo-as se sentir diminuídas ante a sua perda de poder ou de influência, chegaremos à erradicação da única força realmente antagônica aos nossos propósitos. (diretivas- arquivos 3-4)

A etapa primordial (diretiva arq. 1-3) é fornecer ao imaginário dos povos uma provisão suficiente de sentimentos aversivos a quaisquer ações bélicas, justificadas ou não, protagonizadas por tropas americanas ou a quem venha a elas se associar. Os incidentes internacionais recentes na Bósnia, na Iugoslávia, na Etiópia, e os mais antigos, no Caribe (El Salvador,Granada e Panamá), devem receber o maior repúdio e total desaprovação dos povos. Na mesma linha, as antigas ações militares de Israel, que sempre receberam a simpatia de uma opinião pública internacional lacaia e servil à propaganda ianque, hoje, devem merecer da parte das massas a maior reprovação. Para tal, devemos recrudescer os elementos de propaganda e agitprop no sentido de inviabilizar e desarmar eventuais sentimentos pró-israel nos povos americanos. Por isso é fundamental angariar simpatia a atos terroristas que venham a acontecer no futuro casando-os às idéias de liberdade do povo palestino e a sua luta contra a dominação do sionismo internacional.

As ocasionais relações econômicas do capitalismo com países socialistas e comunistas (China, Coréia do Norte, Cuba) devem ser  pronta e convenientemente reconhecidas como sinais de avanço do socialismo, e identificadas como sinal de abertura política que aproxima os povos, assim diluindo as desconfianças antigas. É fundamental para a nossa causa estabelecer relações de igualdade entre povos com potencial para o socialismo com países de economia capitalista desenvolvida através de acordos internacionais e alianças econômicas...(diretivas 4-7)

Ainda, por fim, a destruição completa das figuras de autoridade e de suas instituições, especialmente as de caráter militar e para-militar, deve presidir as nossas ações de sorte a promover o crime incontrolável e imputá-lo à lógica capitalista e ao  neoliberalismo, seu nome mais moderno. ...(diretivas 7-10)

É muito salutar à causa marxista-revolucionária que as bases cristãs das nacionalidades sejam atacadas na sua moral. Os costumes decadentes, outrora apanágio de grandes impérios da antiguidade, devem retornar à ordem do dia das sociedades capitalistas emergentes ou não. Convém então acelerar o processo de denunciação criminosa e imoral das igrejas, fomentando a suspeita nessas instituições...(diretivas 3-6)

É peça importante dos nossos esforços políticos e ideológicos a introdução ou a banalização de costumes depravados no seio das sociedades capitalistas, em especial, as mais afluentes. Sobre as menos ricas, nas quais avulta o potencial de luxúria e relaxamento moral,traduz-se de especial relevância, segundo os ensinamentos do nosso mestre Trotski, subverter desde a infância os costumes, instilar o ódio de classes, promover o sexo promíscuo, e propagar as taras sexuais de todos os tipos. A pedofilia, o homossexualismo, a prostituição, são práticas ideais aos propósitos revolucionários. Enfim, é nosso dever aplicar o Plano de Trotski.*

Para obter o controle do mundo e criar uma Nova Ordem Mundial


 “ Destruir as gerações jovens através de uma educação maliciosa e
    estúpida.
Remover os fundamentos da vida em família.
Dominar a opinião pública tomando de assalto a imprensa e as mídias.
Dominar o povo promovendo (cuidando) os seus vícios.
Minar o respeito por todas as religiões, especialmente as cristãs.
Destruir a arte, a literatura e a música.
Distrair a atenção das massas do que realmente está acontecendo por todos os tipos de entretenimento e competições esportivas – em suma, entreter e impedir que o povo acumule conhecimentos e que pense.
Criar conflitos generalizados e ódio entre diferentes grupos na comunidade.
Retirar o povo das suas velhas tradições, tomando posse da sua linguagem.
Tirar o vigor da agricultura endividando as fazendas, as terras, e removendo o capital das mãos dos financistas.

Encorajar todas as falsas utopias para levar o povo a um labirinto de idéias sem esperança.

Gradualmente infiltrar e minar a autoridade, de modo que possamos contar com o nosso povo.
Preparar a luta de morte entre as nações, exaurindo as populações mundiais pela dor e cansaço, privando-as da sua possibilidade de existência .”


Como vimos o Relatório do Dr. Stragowski, contemporâneo nosso, não difere em síntese do Plano de Trotski de 1906. Desnecessário lembrar que todos os itens do Plano foram executados por Lênin e depois por seus seguidores, incluindo Gorbachev, hoje ainda influente, sobretudo no Ocidente onde executa e coordena políticas “ecológicas” de sabotagem à atividade industrial do mundo livre. A globalização socialista (que comporta inclusive estratégias revolucionárias, mormente em países com pouca força militar e alto índice de miserabilidade), por esses escritos, seja o primeiro deles peça de ficção ou não, se reveste da mesma potencialidade e tem malignidade igual à globalização econômica. Resulta óbvio que esta serve àquela, é seu modus operandi, é seu elemento principal de dissimulação, pois que ao permitir a aplicação dos planos comunistas sob uma base econômica capitalista lucra duplamente, imputando ao capitalismo os ônus e ficando com os bônus que a liberdade e a democracia desse regime propiciam. Essa situação é percebida por analistas mais percucientes como uma ”armadilha gramsciana” perfeita, que engendrou um mecanismo infalível. Os que estão dentro dela mal percebem que suas acomodações apertadas assim são para que se joguem uns contra os outros, e dessa confusão não logrem juntar forças e alcançar saídas. Uma Babel do Demônio! O resultado é a “violência”, antigamente chamada criminalidade; o caos social, a desordem organizada. Em suma, o conflito e clima permanente pré-revolucionário a manter a chama da guerra acesa. Para os que ainda não caíram nela, uma questão de tempo, o seu poder de atração é irresistível. São os seus principais chamarizes: a democracia, liberdades, direitos, e certa distribuição de poder com limites generosos e justiça elástica (o caso brasileiro). A democracia “burguesa” é funcional e providencial. Há que se mantê-la o quanto puder - o processo tem a lógica de ser auto-sustentável - porquanto a revolução necessita de um ambiente, uma plataforma política meramente formal, e um poder que se permite hipotecar em mãos confiáveis até que ele se faça em nome próprio. Aí será tarde demais para as vítimas, a arapuca fechar-se-á. O plano é mundial.

O caso brasileiro tem um papel de destaque no plano trotskiano. A conjuntura histórica brasileira que o está possibilitando tem nas forças armadas um dos protagonistas principais. O regime determinado ao país de 1964 a 1989 inscreveu profundamente nele marcos notáveis pela sua distinção em comparação a regimes políticos passados. Tal impressão,  além disso, produziu sobre os protagonistas derrotados uma marca também indelével que hoje eles buscam resgatar pela via da vinditta. O que o regime militar fez, ou deixou de fazer, e o que lhe foi e é atribuído, - o quê no imaginário popular não produz a mínima diferença -, determinaram a hegemonia socialista dos dias de hoje. Tudo aquilo que os governos de 64 a 89 não permitiram, ou evitaram que acontecesse,  hoje está no poder. As idéias derrotadas de ontem, são as idéias majoritárias e vitoriosas de hoje. Em um absurdo link histórico descontínuo, as idéias socialistas e revolucionárias, à época já peças de museu, hoje se continuam pelas mãos dos mesmos revolucionários juvenis de ontem, como se o tempo não tivesse passado e a história tivesse ficado em um estado de suspensão. E também na intensidade e na dramaticidade dos acontecimentos de ontem e de hoje se percebe que quanto mais os princípios e valores cristãos e humanistas foram defendidos e sustentados, tanto menos eles agora permanecem. No mundo todo há o fenômeno do recrudescimento da Revolução juvenil de Paris de 1968. Isso é verdade. Entretanto, em nenhum lugar do Ocidente como no Brasil houve tão grande inversão de valores e destruição de princípios; em parte alguma do Ocidente o gramscismo foi tão bem sucedido; em parte alguma do continente as forças armadas foram tão bem neutralizadas na sua vontade de ação, na sua capacidade de ação, e o quê é pior, na sua capacidade de entender o processo histórico internacional de sabotagem gramsciana, oferecendo a ele resistência efetiva e eficaz. Em alguns casos a submissão é consciente e desejada.  Em breve, quando o processo estiver mais adiantado  - salvo a intervenção de uma força de divina transcendência -, até o país hoje mais infenso ao mal socialista, sucumbirá. Tal a lógica perversa desse engenho. A verdadeira tragédia do socialismo é que a sua natureza pouco difere da imagem que fazemos do demônio: como ele, é insidioso, dissimulado, sedutor, atraente, imaterial, e internacional! Contra isso nem o maior Império pode!

* (você pode ver na íntegra o Plano de Trotski no Museu Britânico, onde ele está desde 1906).No livro do Professor Zbigniew Brzezinski, Between Two Ages (1970-73) existem comentários detalhados desse plano.


    Carlos Reis